vendredi 18 juillet 2008

A França que o Brasil merece ver!


Da esquerda para a direita, em sentido horário: Ariane Mnouchkine, Georges Bigot, Coralie Clément, Bénabar, Julliette, Christophe Miossec, Benjamin Biolay, James Thiérrée, Keren Ann, Patrice Chéreau, Hanna Schygulla, Simon Abkarian, Jeanne Moreau, Jean-Pierre Ryngaert, Yael Naim, Joël Pommerat, Olivier Py, Béatrice Picon-Vallin, Wadji Mouawad, Omar Porras, Emmanuel Wallon, Agnès Jaoui, Stephane Braunschweig, Katerine e Ronit Elkabetz

Meus caros, essa é a minha coluna de hoje no Terra Magazine...nela exponho todas as minhas expectativas sobre o Ano da França no Brasil, Deus queira que possamos ver a França que eu conheço e amo, essa é muito bela...

Sexta, 18 de julho de 2008, 08h01 Atualizada às 19h03

A França que o Brasil merece ver


Deolinda Vilhena
De Paris


Os que me conhecem sabem da minha paixão pela França. Talvez ela tenha nascido quando recebi meu sobrenome, França de Vilhena mas sou conscientemente francófila desde os 12 anos de idade.

Morei cinco anos e meio em Paris, entre setembro de 2001 e março de 2007, aqui fiz um mestrado e um doutorado em Estudos teatrais, mas mais do que isso, fui um perfeito modelo de integração à sociedade francesa.

Lia diariamente o Le Monde e o Libé, às quartas-feiras também lia o Le Figaro, por conta do Figaroscope e era assinante das revistas Nouvel Observateur e Télérama. Essa minha deformação profissional, esse meu lado jornalista-produtora de ser contribuiu em muito para minha instalação na França.

Conhecia o rosto e o nome de todos os ministros do governo Chirac, conhecia as regiões e os departamentos da França, assisti aos desfiles do 14 juillet, me emocionei às lágrimas cantando "La Marseillaise", acompanhei seis temporadas teatrais, assisti a mais de 200 espetáculos e afirmo, sem falsa modéstia, que na minha área de atuação sou quase imbatível, afinal, minha tese me proporcionou um mergulho na legislação francesa na área do teatro e das políticas públicas na área da cultura. Lógico que não sou um Emmanuel Wallon mas ainda chego lá.

Tudo isso me deixa em situação especial quando o assunto é cultura francesa...e parece que daqui até o final de 2009 com o Ano da França no Brasil este assunto estará na pauta de muitos coleguinhas...

Assim como não cabe a China decidir a agenda e os compromissos do presidente Nicolas Sarkozy, como bem lembrou o próprio nos jornais da semana passada, não me cabe decidir a programação do Ano da França no Brasil. Mas como diria Montaigne "je donne mon avis non comme bon mais comme mien".

Há muito compreendi que a democracia nunca será culturalmente pluralista, contrariamente ao que se imagina, porque haverá sempre uma preferência a determinar uma moda. Infelizmente o pluralismo não existe nesta matéria. Há o politicamente correto. Eu desejaria que fosse pluralista, mas não creio que seja possível e sei que haverá sempre escolhas abusivas.

Todos os grupos de pressão e os formadores de opinião fizeram, um dia, escolhas abusivas. Boas escolhas podem ser escolhas abusivas. Na França, por exemplo, mesmo no século XVII quando o rei apóia Molière, Corneille, Racine, ele é abusivo porque muitos foram preteridos. Talvez não fossem tão bons quanto essa trinca de ases, mas teriam lá o seu valor.

E o sistema continua abusivo, continua sendo a escolha de uma época e de um grupo que até pode impor qualidade, o que quase nunca acontece, mas que impõe o seu gosto. Infelizmente a democracia não é democrática em matéria de cultura contrariamente ao que se crê porque, com efeito, há sempre um grupo social que dirige os outros, que impõe e as pessoas não ousam ir contra, com isso não se pode dizer que a democracia é pluralista em matéria de cultura.

Mesmo levando em conta a ausência de uma democracia pluralista em matéria de cultura e conhecendo os problemas enfrentados pelos que fazem cultura na França hoje, ainda assim espero que o Ano da França no Brasil, seja no mínimo, uma Brastemp...

Normal que todos os países busquem uma projeção cultural externa, entretanto, nem todos têm uma política cultural, na verdade "uma invenção francesa". A França aposta nesta política cultural que põe a serviço da sua política externa. De fato, a cultura torna-se menos um objetivo em si que um meio para facilitar e sublimar as relações políticas e comerciais.

Num país em que política e cultura, ao mesmo tempo por tradição e por voluntarismo político, caminham de mãos dadas, o que o distingue dos outros países é a importância que dá à política cultural e, por conseguinte, ao papel do Estado na definição e a aplicação desta política, principalmente em nível internacional.

Num relatório de janeiro de 2006, Yves Tavernier dizia que as relações entre cultura e diplomacia são antigas: Du Bellay em Roma, Jean-Jacques Rousseau em Veneza. Muito cedo, os embaixadores tiveram como função promover o intercâmbio cultural entre a França e os países nos quais eram acreditados. Pode-se assim mencionar os esforços realizados por Paul Claudel, então ministro da França ao Brasil, em prol da assinatura de uma convenção franco-brasileira, em Setembro de 1917, sobre as trocas literárias, científicas e técnicas

Um novo relatório intitulado Services culturels à l¿étranger: face à la mondialisation, une révolution nécessaire, recém-apresentado pelo Senador governista Adrien Gouteyron, diz que a França não tem do que se envergonhar no quesito dos esforços consagrados à promoção da cultura francesa no exterior pois dispôs de mais de um bilhão de euros em 2007 mas que deve rever sua atuação.

Dona da maior rede cultural do mundo, composta por 144 Centros ou Institutos culturais no mundo, 220 Alianças Francesas dirigidas por um agente do Estado expatriado, 255 outras Alianças Francesas que se beneficiam de financiamentos por parte das embaixadas e consulados franceses, existem em média 3,9 Centros Culturais ou Alianças Francesas por país onde a França tem uma presença.

Para que se compreenda o que isso significa é só ver que a Espanha, reservava em 2007 para o Instituto Cervantes 89,4 milhões de euros. Na Alemanha, o orçamento consagrado em 2008 à ação cultural externa é de 680 milhões de euros, dos quais 180 milhões de euros para os Institutos Goethe, 117 milhões de euros para as escolas e 120 milhões de euros para a cooperação universitária. Na Inglaterra, o British Council dispunha de 183 milhões de libras em 2007. Entretanto, num plano quantitativo, enquanto os outros países (Espanha, China) estendem a sua rede, ainda que permaneçam muito aquém da rede francesa, a França perde terreno e de 173 centros culturais em 1996 passa a 144 em 2008.

Isso no setor externo, pois internamente a cultura tem sido uma das grandes vítimas do rolo compressor que passou pelo orçamento do novo governo. Muitos financiamentos ministeriais das estruturas permanecem em baixa e o setor de ação cultural tem sido o mais prejudicado.

Em outubro do ano passado, Patrick Bloche, membro do Partido Socialista da comissão de Negócios culturais da Assembléia, dizia que "o orçamento da cultura reduzir-se-á de 56,6 milhões de euros em dotações de pagamento, ou seja - 2% em relação a 2007. Enquanto que as despesas globais do Estado, fixadas sobre a inflação, deviam progredir de 1,6%".

O primeiro-ministro François Fillon, em declaração de 29 de fevereiro, considerava que o mundo da cultura devia "participar da redução da dívida" pública assim como os outros ministérios, cujos orçamentos foram igualmente congelados: "os profissionais da cultura são capazes de compreendê-lo como os outros franceses".

Os diretores de teatro, como Didier Bezace, diretor do Théâtre de La Commune em Aubervilliers, se sentem traídos quando lêem o artigo 1º do contrato que vincula o seu teatro ao Estado:"É fabuloso, me pedem para ser ambicioso e isso me convém. Assino. Mas não me dão mais os meios para assegurar esta ambição. Não estamos numa época de contratos, mas de ruptura de contratos. (...) Respira-se um ar insalubre".

Só para lembrar, o espetáculo vivo na França significa mais de 20 milhões de espectadores por ano, dos quais 3,5 milhões para os Centros dramáticos nacionais, um total de 69.500 representações e o número de empregos neste setor equivale ao de muitos setores industriais.

Mas não se pode esquecer, como falou Didier Bezace, citando Jean Vilar, "do casamento cruel" com as tutelas, citando Victor Hugo: "são bem magras economias para grandes estragos".

O sistema cultural francês - meu maior sonho de consumo - existe e hoje, mais ainda do que antes, num ambiente internacional, mas a França que eu amo não consegue se acertar com os desafios impostos pela globalização e a prova disso são os eventos franceses organizados no Brasil que quase sempre recebem um público já conquistado.

Falta a França um "marqueteiro" no melhor estilo americano para "vender" essa França que eu conheço, admiro e que "bouge"... E se a língua francesa perde terreno, ela continua sendo admirada nos cinco continentes. E continua a despertar desejos, um desejo fortalecido por razões culturais: 80 milhões de estrangeiros vêm à França em busca de suas tradições e da sua efervescência artística e intelectual, de um "savoir vivre" sem igual no mundo.

Por isso espero, torço, para que o Ano da França no Brasil encontre seus parceiros, mas acima de tudo que encontre seu rumo, que encontre pessoas dispostas a trocar idéias, a conversar, a discutir, lembrando que poucas são as pessoas que conhecem profundamente os dois lados da moeda, na teoria e na prática, e que essas pessoas precisam ser ouvidas.

Deixo minhas modestas sugestões para o Ano da França no Brasil, conheço o trabalho de cada um dos nomes que indico e conheço o público do meu país, duvido que com um trabalho bem feito na base eles não deixem plantada uma boa semente nas terras do Pau-Brasil, onde em se plantando tudo dá...nem todos eles são franceses - vive la diversité! - mas todos escolheram a língua francesa e a França para trabalhar, e nisso a França excede, pois acolhe indistintamente os artistas pela sua arte e seu talento antes de exigir seus passaportes.

Muitos são franceses e com origens as mais diversas, herança de uma França "terre d¿accueil", quase todos têm pelo menos um dos pais estrangeiro, nós brasileiros 100% mestiços somos a prova de que essas misturas garantem um sabor particular...

Se o Ano da França no Brasil deve buscar parcerias, que essas parcerias reflitam o que a França tem de melhor. E por favor, não nos dêem o que ainda não foi provado e aprovado aqui na França metropolitana.

Por que sugerir para uma residência artistas novos e desconhecidos na França? Tudo bem, eles precisam de experiência, e sair do país é uma excelente forma de obtê-la, mas pensem nos nossos jovens artistas eles têm muito mais a aprender com Chéreau e Mnouchkine, para ficar na "velha guarda". Ou com Porras e Abkarian para fortalecer a "ala jovem".

Viva a França moderna, do Airbus, dos foguetes Ariane, do TGV e da tecnologia de ponta, mas a França que encanta os 80 milhões de turistas que a visitam anualmente é a França do luxo, do requinte e do bom gosto, a França das tradições culturais e dos grandes mestres em todas as áreas da cultura. Divulguem o novo, mas, não esqueçam o "antigo", a eles a França deve seu lugar no imaginário mundial.

A França tão esperada na América Latina e sempre tão distante de nossas fronteiras, com os olhos voltados para a África nos deve isso: a sua seleção principal na área da cultura, e como não domino todas as áreas, fico limitada aquelas nas quais transito com intimidade, privilegiando o espetáculo vivo, com uma palhinha para o cinema.

A França que eu amo é uma França feita por artistas, atores, autores, cantores, cineastas, professores e pesquisadores, entre esses 25 nomes sugeridos não há um só que não tenha passado sua prova dos nove e todos são campeões. Com uma equipe desse porte a França será mais uma vez campeã diante do Brasil.

Além do mais, escolhendo uma equipe campeã vocês seguirão o conselho de Christine Albanel, ministra da Cultura, em artigo publicado no jornal Le Monde de 10 de julho de 2007, quando ela dizia ser "necessário (...) parar esta propensão do Ministério da Cultura de salpicar as subvenções sem definir prioridades claras. Querer tudo empreender significa fracassar em tudo. Subvencionar melhor significa também ser mais exigente no que diz respeito aos beneficiários".

PS : A escalação da seleção campeã de 2008: Agnès Jaoui, Ariane Mnouchkine, Béatrice Picon-Vallin, Bénabar, Benjamin Biolay, Christophe Miossec, Coralie Clément, Emmanuel Wallon, Georges Bigot, Hanna Schygulla, James Thiérrée, Jeanne Moreau, Jean-Pierre Ryngaert, Joël Pommerat, Juliette Nourredine, Keren Ann, Olivier Py, Omar Porras, Patrice Chéreau, Philippe Katerine, Ronit Elkabetz, Simon Abkarian, Stéphane Braunschweig, Wajdi Mouawad e Yael Naïm.


Deolinda Vilhena é jornalista, produtora, Doutora em Estudos teatrais pela Sorbonne, pós-doutoranda em Teatro na ECA/USP com bolsa da FAPESP.

Fale com Deolinda Vilhena: deolindavilhena@terra.com.br

Link para o Terra Magazine
http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3015286-EI11348,00.html

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