Capa do livro - Leonce e Lena (2006) / Foto: João Caldas
O
Facebook é portador de muitas notícias, algumas são especiais, como a postada
por Dib Carneiro Neto no dia 24 de maio de 2017, às 23h13:
“Prontinho
o livro que organizei com Rodrigo Audi sobre a obra de Gabriel Villela!!! Vejam
uma prévia aqui! Em breve, o lançamento em que todos serão convidados. Edições
SESC.”.
Fui
às nuvens. Para uma jornalista/pesquisadora que é antes de tudo uma mulher de
teatro, um livro sobre a obra do Gabriel Villela – meu diretor brasileiro
favorito – viria preencher uma lacuna inexplicável deixada pelos pesquisadores
e estudiosos das artes cênicas das últimas três décadas. Muitos diretores,
infinitamente menos cotados do que Gabriel Villela, foram contemplados por
dissertações, teses e pesquisas publicadas, outros tantos são incensados pela
academia e sobre Gabriel nada havia sido publicado.
Lacuna
preenchida pelo livro de Dib Carneiro Neto e Rodrigo Audi, um verdadeiro
presente para os amantes das artes cênicas e em particular para os apaixonados pela
obra de Gabriel Villela. Um presente com o aval e a participação do próprio
Gabriel. E como em toda a obra do Gabriel a equipe de criação é escolhida a
dedo, Dib e Audi não deixaram barato ao escalar a “tchurma” do auxílio luxuoso:
Babaya, Eduardo Moreira, Fausto Viana, Fernando Neves, Francesca Della Monica, Luiz
Carlos Merten, Macksen Luiz, Rosane Muniz e Walderez de Barros.
Ter
acesso a esse livro tornou-se vital. Imediatamente postei um CLASSIFACE – como
chamo meus “anúncios” no Facebook – perguntando se tinha alguém vindo de São Paulo
ou do Rio para Paris. Uma alma boa que pudesse me trazer o livro.
Poucos
dias depois recebo uma mensagem do Dib Carneiro Neto dizendo que ele seria o
portador do livro. E assim eu recebi, em Paris, no dia 2 de junho um livro que
ele, Dib Carneiro Neto recebeu no dia 29 de maio e que só será oficialmente
lançado no Brasil, no dia 13 de julho:
“Confirmado: o primeiro lançamento será em
minha cidade natal, São José do Rio Preto, na noite de 13 de julho, como parte
da programação especial do festival FIT. Edições Sesc SP Estaremos lá
autografando e brindando: eu, Rodrigo Audi e Gabriel Villela. Ah, e pra quem
anda me perguntando, a resposta é SIM, o livro já está à venda mesmo antes do
lançamento oficial em Rio Preto e aqui em São Paulo (em setembro). Pode ser
encontrado nas Lojas Sesc (físicas e virtual) e também nas principais
livrarias, principalmente na Martins Fontes, que é a distribuidora.”.
Dib Carneiro Neto, Gabriel Villela e Rodrigo Audi
Imaginai
42 espetáculos unidos por causos, histórias, memórias, fatos e fotos, tecendo
uma bela colcha de fuxico, que é como o teatro de Gabriel o popular com acabamento
de alta costura... Imaginai o Gabriel sendo entrevistado pelo Dib ofertando,
por meio do amigo e parceiro, suas memórias sobre cada uma das montagens desses
espetáculos que marcaram as vidas de muitos de nós, sem nos negar informações
sobre as coxias, as parcerias, o processo criativo, generoso como pode ser um
bom mineiro. Imaginai o trabalho do Audi reunindo as imagens desses trabalhos, imagens
que transitam entre o sagrado e o profano, imagens que nos encheram os olhos e
acalentaram as almas a cada ida ao teatro e a cada encontro com a criação de
Gabriel. Imaginai aqueles colaboradores citados mais acima, a “tchurma” do
auxílio luxuoso, nos entregando, cada um na sua área de atuação, o melhor do
identificado por eles nas criações desse fazedor de sonhos. Imaginaram? Pois IMAGINAI!
é isso: 340 páginas dedicadas ao teatro de Gabriel Villela, com verdade, delicadeza
e beleza, única forma de falar do teatro desse mineirinho amado que, sendo Antônio
Gabriel, oscila entre santo e arcanjo, capaz de operar milagres e ou fazer revelações
divinas no altar que escolheu para si, o palco.
OS ESPETÁCULOS QUE VI E JAMAIS ESQUECI/ESQUECEREI
Romeu e Julieta (1992-1995-2012) - Grupo Galpão / Foto: Ellie Kurttz
A Rua da Amargura (1994) - Grupo Galpão / Foto: Guto Moniz
Macbeth (2012) / Foto: João Caldas
Um Réquiem para Antonio (2014) / Foto: João Caldas
A Tempestade (2015) / Foto: João Caldas
Lendo
Imaginai! mais uma vez me digo que é impossível ver, escrever ou falar sobre o
teatro de Gabriel sem pensar na definição de teatro popular de Antoine Vitez:
popular é o teatro elitista para todos. Elitista no sentido de ser um teatro
construído com a simplicidade dos que fazem com dedicação e delicadeza sua
arte; um teatro coletivo calcado na riqueza do detalhe; um teatro com aparência
de prêt-à-porter, mas com acabamento de alta costura; um teatro onde os
sotaques não comprometem a universalidade do diálogo com o público: “um teatro que é resultado de pesquisa,
erudição, técnica e envolvimento tanto nos aspectos operacionais como
intelectuais, sem compartimentar saberes”.
E
Gabriel que não compartimenta, mas compartilha saberes, porque sabe tudo de
teatro, mineiramente afirma:
“Cada vez sei menos o que é o teatro, do que
ele trata, e menos também sobre o universo misterioso dos atores. O mundo ficou
feio demais, a humanidade está doida, o fluxo migratório no planeta está
intenso, o Mediterrâneo virou um cemitério aquático, irmão mata irmão. Contra
essa feiura, só a poesia das palavras. Faço teatro por uma curiosidade
incalculável sobre o homem. Sinto como se todas as peças que eu fiz até hoje
fossem nada mais que a organização sistemática de um repertório de temas
sagrados que me são muito caros, os quais de alguma maneira tento entender. É
como se, juntas, todas essas peças procurassem compor um evangelho repleto de
boas-novas para a humanidade.”.
E
foi assim que eu recebi IMAGINAI! como o evangelho da religião que escolhi para
mim: o teatro.
OS ESPETÁCULOS QUE LAMENTO NÃO TER VISTO
Rainhas do Orinoco (2016) / Foto: João Caldas
Os Gigantes da Montanha (2013) - Grupo Galpão / Foto: Guto Moniz|
Sua Incelença Ricardo III (2010) - Clowns de Shakespeare / Foto: Rafael Telles
Desde
que me entendo por gente, mesmo antes de ser gente de teatro, entendi que teatro bom era
aquele que a gente nunca esquecia. Aquele em que a gente ri e chora,
contrariando os que pensam que a emoção bloqueia a reflexão, para esses aliás,
Ariane Mnouchkine mandou uma mensagem que adotei para sempre: "nenhum pintor, romancista, poeta, nenhum
escultor de importância significativa, colocou o assunto nesses termos. É uma
falsa questão. Que estes auto-proclamados intelectuais passem primeiro pela
emoção, depois veremos se suas ideias se sustentam.”.
Lendo
IMAGINAI! vi que não sou o melhor público do Gabriel, apesar da minha paixão
pública, explícita e notória – há quem diga que uma
jornalista/pesquisadora/acadêmica não deveria se expor assim – , nem de longe
vi todos os seus espetáculos. Mas de cada um dos que vi, a saber Vem buscar-me
que ainda sou teu (1990), A vida é sonho (1991), Romeu e Julieta (1992), A Rua
da Amargura (1994), Torre de Babel (1995), Mary Stuart (1996), Ventania (1996),
Salmo 91 (2007), Calígula (2008), Macbeth (2012), Um Réquiem para Antonio
(2014), A Tempestade (2015) e, a mais recente criação desse “despertador de
sonhos” – como bem diz Dib Carneiro Neto no seu texto de apresentação do livro
– Peer Gynt (2016), que não entrou no
livro – tenho um pedacinho guardado em mim.
Se
a paixão por Romeu e Julieta é enorme, e compartilhada por meio mundo, tenho
uma especial queda por A Vida é sonho,
porque foi durante a turnê do espetáculo que efetivamente conheci Gabriel
Villela, em turnê com As Atrizes –
com minha amada Tônia Carrero, dirigida por minha não menos amada Bibi Ferreira
– nossos caminhos se cruzaram com alguma frequência nos corredores de hotel e
nas coxias desse Brasil, e vi a peça diversas vezes, foi a peça do Gabriel que
mais vi e foi ali que caí de amores por ele e pelo teatro dele. Feliz ao
reencontrar em IMAGINAI! uma das frases do texto de Calderón de la Barca que
tanto amo: “ Pode ser que sonhemos; e o
faremos; pois estamos em um mundo tão singular que o viver é só sonhar e a vida
ao fim nos imponha que o homem que vive sonha o que é até despertar.”.
Um
livro de teatro ou sobre teatro pode e deve ser tão bom quanto o teatro. Essa
tem sido minha sensação em relação a IMAGINAI! nesses dias que o tenho como
parceiro, como companhia. E isso tudo sem o ranço da academia. Apenas com a
escrita clara, com a palavra honesta, com a verdade verdadeira. Como nos causos
contados pelo Gabriel no café de um shopping da Paulista no nosso mais recente
encontro, numa já distante tarde de novembro de 2016, antes de eu vir para
Paris. A cada página uma lembrança, uma descoberta, a sensação de reviver cada
um desses espetáculos, e mais ainda, me deixar invadir pelos que não vi. E morrer
de vontade de ver três entre esses tantos que não vi: Sua Incelença, Ricardo III, Gigantes
da Montanha e Rainhas do Orinoco.
A
história do teatro brasileiro, que anda precisando ser reescrita – não é minha
amiga Tânia Brandão? – agradece a Dib Carneiro Neto e a Rodrigo Audi pela ideia
de gênio, assim como agradecerá ao SESC que tem contribuído muito para que essa
história fique registrada no papel, como deve ser. Mas acima de tudo agradeço a
Gabriel Villela pela generosidade da entrega, pela confiança depositada no Dib
e no Audi, pelo abrir o coração e compartilhar com quem viu, mas acima de tudo
com quem não viu e com quem jamais verá, a riqueza desse teatro que tanto
fascina e seduz.
Deolinda
Vilhena
20
de junho de 2017
Último
dia da primavera parisiense
PS1
– Curiosa com o Imaginai! do título fui em busca de uma explicação. Ela é dada
por Dib Carneiro Neto numa entrevista ao jornal Diário da Região (São José do
Rio Preto): “é uma das expressões que Gabriel mais gosta de usar, citando
Shakespeare. É uma expressão que está presente em várias peças desse autor
bardo e Gabriel já montou várias dessas peças em sua carreira. Ele é um diretor
movido a imaginação, que prefere a fantasia, em vez de textos realistas
psicologizantes. Para ele, fazer teatro é acessar a imaginação da plateia. O
livro, portanto, não poderia ter um título melhor - e também foi ele quem
sugeriu.”.
PS2
– E que ideia de colocar no final os artigos em inglês. Estou esperando quem
venha do Brasil e me traga dois exemplares, um para Ariane Mnouchkine e outro
para Omar Porras. Ariane porque ela sabe apreciar o belo, e as imagens do
Gabriel são esplendorosamente belas. E Omar porque ele é irmão de berçário do
Gabriel mesmo se nasceram em datas e países diferentes. Essa dupla precisa se
conhecer e se reconhecer.
PS3
– Detestei não ter sido convidada para escrever um artigo. Pronto, falei!