jeudi 23 février 2017

O teatro necessário de Gabriel Villela

Chico Carvalho é Peer Gynt 
Foto: Divulgação
Cá estou em Paris, tentando manter atualizado um blog que se chama Paris: uma festa para poucos! e via Facebook – um viva às redes sociais – sou informada da reestreia de Peer Gynt, poema dramático de Ibsen, com direção, adaptação, cenários e figurinos – porque ele não deixa por menos – do meu anjo-imperador Gabriel Villela.

Não precisou de mais nada para que, por umas horas, eu decidisse esquecer Paris, afinal para saudar o teatro brasileiro de qualidade não é crime, e muito menos pecado, falar de outra coisa que não seja Paris nesse blog. Além do mais, estava me sentindo em dívida com Gabriel e com toda a turma do espetáculo, afinal, não foi por acaso que saí de Salvador para ir a São Paulo ver Peer Gynt. Assim como não foi por acaso, a decisão de que Peer Gynt seria a última peça vista no Brasil, antes desse meu ano de exílio, mais do que voluntário, na Cidade Luz. Havia em mim uma necessidade vital de sair do país em paz com o teatro brasileiro.
O que sei é que desde a tarde de domingo, 27 de novembro, quando entendi que ando a chorar diante do belo, queria escrever sobre o espetáculo. Rascunhei algumas linhas, mas a mudança marcada para uma semana depois acabou atropelando meus planos. A vida quis que, apenas quase três meses após ter me deliciado com as aventuras desse Macunaíma nórdico, eu pudesse me sentar em Paris, depois de ter visto nesta terra cerca de vinte espetáculos os mais diversos, para repensar e rever, nas minhas memórias teatrais/afetivas, o espetáculo do Gabriel.

Foto João Caldas
Aproveito a ocasião para, mais uma vez, explicar que NÃO SOU CRÍTICA DE TEATRO. Em maiúsculas, para não deixar dúvidas. Os meus 40 anos de teatro e a minha titulação acadêmica, estou em Paris fazendo meu segundo pós-doutorado em Teatro, até me habilitariam a exercer a profissão sem pagar mico, mas isso me obrigaria a ver teatro de uma outra maneira e eu só aprendi a ver teatro de uma maneira: com o coração. Sou capaz de analisar cada uma das ferramentas usadas na construção de um espetáculo, mas não tenho vontade. De um espetáculo espero apenas que me toque, me emocione e seja bem feito, bem-acabado, sem ranço de espetáculo de final de ano de escolinha infantil.
Gosto mesmo é de ser uma palpiteira com conhecimento de causa. E com isso, sem precisar falar – escrever – de forma rebuscada, simplesmente despertar nas pessoas a vontade de ir ao teatro. Nem sempre aquilo que eu não gosto é ruim. Longe disso. O legal é poder fazer a distinção entre o que eu gosto e o que tem qualidade, independente de eu gostar ou não. A honestidade intelectual vem em primeiro lugar, sempre. Isso para mim está intimamente ligado à ética e quem me conhece sabe da minha luta para que a ética ocupe um espaço cada vez maior na sociedade antiética e imoral (ou seria amoral?) em que vivemos.
Dito isso, a palpiteira vai ao site do SESI – SP, para dar uma olhada no material de divulgação e checar as mudanças no elenco, conferir horários etc., porque ela acredita em jornalista que faz dever de casa, e constata feliz a quantidade de prêmios conquistados pelo Peer Gynt do Gabriel: Grande Prêmio da Crítica da APCA – Associação Paulista dos Críticos de Arte; Prêmio São Paulo de Incentivo ao Teatro Infantil e Jovem – categorias: Melhor Espetáculo Jovem, Melhor Produção, Melhor Direção, Melhor Ator, Melhor Atriz Coadjuvante, Melhor Trilha Adaptada e Melhor Figurino; Prêmio Aplauso Brasil 2016 na categoria Melhor Figurino. A exceção de Peer Gynt e GOD, do meu mais que amado amigo Miguel Falabella, não vi nada da temporada paulista de 2016, a vida de funcionária pública federal séria e cumpridora dos seus deveres me impediu de estar mais vezes em São Paulo, logo, não posso julgar o que não vi. Mas, posso dizer que Peer Gynt merece todos os prêmios, um espetáculo com a grife Gabriel Villela é, sempre, um luxo em todos os sentidos.

O anjo Gabriel atento aos detalhes
Foto: Divulgação

O teatro de Gabriel Villela por ser luxuoso e rico, me faz pensar que por vezes ele é mal avaliado. Tenho sempre a impressão de que ele caminha solitário pelo teatro brasileiro contemporâneo. o que me leva a pensar na situação vivida por Patrice Chéreau. Depois de anos instalado em Milão, a convite de Roger Planchon, ele volta para a França e se instala no Théâtre National Populaire de Villeurbanne, região suburbana de Lyon. Na França pós-maio de 68, as discussões sobre a concepção de teatro popular estavam na crista da onda, usando linguagem da época, os debates franco-franceses, como sempre, acirrados e Chéreau chega sem medo de defender as mudanças que busca e se coloca como um dos nomes da renovação. Ele sabia que a beleza tem um preço e nunca se recusou a pagar por ele, por falar em Chéreau ele também montou um Peer Gynt, versão integral, sete horas de duração, com 23 atores em cena e com Maria Casarès no papel da mãe do herói e Gérard Desarthe no papel de título, até hoje considerado como um dos seus mais belos espetáculos.
Há uma frase de um grande nome da cena internacional, mas particularmente da cena francesa, Antoine Vitez: “teatro popular é o teatro elitista para todos”. Uso essa frase sempre que preciso explicar que teatro popular não precisa ser a corrida em busca de um teatro pobre – não estou fazendo alusão a Grotowski – e muito menos ter acabamento de escola de samba do grupo de acesso de cidade do interior. Os espetáculos de Gabriel são, para mim, a síntese perfeita da frase de Antoine Vitez.
A beleza visual dos espetáculos de Gabriel é tão impactante que, ao longo dos anos, venho notando que as pessoas não observam um lado dele tão forte quanto esse das visualidades – Eduardo Tudella olhe eu aqui pensando em você – da cena: a do diretor de ator. Costumo dizer que grandes diretores de espetáculo não são bons diretores de atores – há exceções – como se o cuidado com o todo os afastasse dos detalhes de preparação de ator. Mas aí vem Gabriel, e como Gabriel prepara bem esses atores.

Foto: João Caldas

Essa preparação se faz sentir nas “cenas de comparsaria”, como diria minha Bi amada, verdadeiro deleite. Existe a noção de conjunto, de “ensemble” como dizem os franceses. E claro, há os destaques, em especial Chico Carvalho que descobri em A Tempestade montada por Gabriel em 2015. Lembro-me, como se fosse hoje, das inúmeras vezes que Bibi (sim Bibi Ferreira foi comigo ao teatro ver A Tempestade do Gabriel, somos fãs de carteirinha dele) apertava com força as minhas mãos, dizendo “que ator”! Não posso deixar de citar Maria do Carmo Soares, no papel da mãe de Peer. Que força em cena, que presença mágica, os minutos iniciais, as primeiras palavras são suficientes, o recado está dado: há uma ATRIZ no palco.
Nesse mesmo tópico há algo importantíssimo: os atores de Gabriel Villela falam bem, articulam corretamente, e pasmem vocês, fazem um musical sem usar microfones. Demorei uns quinze minutos na plateia para crer que as vozes que eu ouvia eram de verdade e não estavam distorcidas por um microfone. No final do espetáculo, acho que foi a primeira coisa que disse a Gabriel, ainda no foyer do teatro: seu espetáculo não é microfonado! Que felicidade para quem há cinco anos e meio convive com espetáculos montados – aos gritos – em salas que oscilam entre 50 e 250 lugares com atores com microfone, produções sem muitos recursos financeiros gastando dinheiro em microfones no lugar de chamar um preparador vocal que coloque aprendizes e profissionais em condição de falar. Não, não é por acaso que no programa – belíssimo, como toda a programação visual – está lá o nome de Babaya como preparadora vocal e diretora de texto, Babaya arrasa. E de quebra, a direção musical de Marco França, ele mesmo em cena quando vi o espetáculo. Impossível não pensar numa oficina do Jean-Jacques Lemêtre em Salvador, em 2013 creio eu, em que recebi a ficha de inscrição de Marco França. A delicadeza e a humildade em pessoa, saindo de Natal, deixando os Clowns de Shakesperare por uns dias para buscar o encontro com um mestre na sua área de atuação. Pouco tempo depois, ele é um mestre. 

A inesquecível cena da morte da mãe de Peer Gynt
Foto: João Caldas

O Peer Gynt do Ibsen é muito fácil saber o que é, um google básico resolve, mas o Peer Gynt do Gabriel é muito mais do que a busca do homem ou a procura de si mesmo, e você precisa ir até o teatro para descobrir. Amo textos que dão ao diretor condições de sonhar alto, de correr riscos, de se aventurar por mundos os mais diversos, em que ele pode ir além dele mesmo, Gabriel não perde a deixa, aproveita a dimensão épica do texto, reforçando a teatralidade do espetáculo sem esquecer que não se trata apenas de um poema dramático, mas antes de tudo de um espetáculo de teatro. E ai Gabriel excede.

Abro espaço no textão – lê até o final quem quer – para falar de uma cena em especial, a mais bela e tocante de todas, que fez dos meus olhos brotarem cachoeiras, sobre a qual eu seria incapaz de dizer algo mais perfeito do que meu colega e amigo querido, Dib Carneiro Neto em seu site Pecinha é a vovozinha e faço minhas as palavras dele:

“a cena mais linda da peça, em minha opinião, está, de novo, relacionada à figura da mãe do personagem principal. Arrisco dizer que nunca vi no teatro cena mais acertada sobre o momento da morte de uma personagem. O filho, feito uma Sherazade do folclore norueguês, conta histórias de reis e castelos para a mãe morrer feliz e em estado de encantamento. A eternidade sendo alcançada pela via desobstruída da mais pura imaginação. O casamento do texto tocante de Ibsen com a direção poética de Gabriel Villela resulta na mais bela reverência ao mundo das fábulas que já vi em cena.
“Está pronta, mamãezinha?”, pergunta Peer, entre uma e outra frase de seu ‘reconto’ fantástico e etéreo. “São Pedro, agora deixe ela entrar aí sossegadinha no meio dessa gente boa!”, pede o filho ao porteiro do céu. E o diretor Villela acentua o afeto da cena com o uso de adereços da ordem quimérica de quem sabe ser sublime para alcançar o celestial: um buquê de flores artesanais coloridas, inspirado na celebração mexicana do dia dos mortos, e uma expressiva máscara indígena da região amazônica.  Não bastasse a força simbólica desses adereços sincréticos – sempre um trunfo especial na carreira do imaginativo diretor – e ele ainda arremata a grande cena com o elenco interpretando divinamente a canção Lapinha, de Baden Powell e Paulo César Pinheiro, em respeitosa formação de bloco de carnaval de antigamente. É ver para crer: ápice antológico e inesquecível, para marcar época nesse palco histórico da Avenida Paulista (...)”.
Para quem perdeu a figura materna duas vezes, em 1981 com a morte de Clara Nunes; em 2002 com a morte da minha mãe, Almerinda, e em ambas as vezes estava ausente, por caprichos da vida, essa cena substitui o luto que não foi feito, pois não pude estar nas despedidas, não participei do ritual final. E confesso: quando o elenco começou a cantar Lapinha – o Paulo César Pinheiro é viúvo da Clara – controlei os soluços, mas não consegui conter as lágrimas. Teatro bom para mim é esse: o que me faz sentir viva e me permite sair do teatro melhor do que entrei. E isso esse “caipira-mineiro-barroco-universal”, na perfeita definição do Dib, chamado Gabriel Villela tem feito comigo com frequência, está explicado porque sempre digo que ele é meu diretor preferido?
São quase duas da manhã em Paris, em São Paulo eles devem estar deixando o teatro do SESI depois da reestreia, e eu coloco aqui o ponto final na minha declaração de amor a um Imperador travestido de Anjo, entenderam porque eu não posso fazer críticas? Um crítico não pode fazer declaração de amor, uma palpiteira pode...

SERVIÇO PEER GYNT
Autor: Henrik Ibsen
Direção, adaptação, cenografia e figurinos: Gabriel Villela
Direção Musical: Babaya e Marco França
Preparação vocal e Direção de Texto: Babaya
Direção de Produção: Claudio Fontana
Elenco: Chico Carvalho, Cacá Toledo, Danila Cury, Daniel Maia, Daniel Mazzarolo, Helô Cintra, Jonatan Harold, Letícia Medella, Leonrado Ventura, Luciana Ramanzini, Marco Furlan, Mariana Elisabetsky, Maria do Carmo Soares, Romis Ferreira e Rogério Romera.
Quando? De 22 de fevereiro a 19 de março
Horários: Quarta a Sábado às 20h / Domingo às 19h
Onde: Teatro do SESI-SP – Centro Cultural FIESP – Ruth Cardoso
Avenida Paulista, 1313, Cerqueira César, São Paulo
Em frente à estação Trianon-Masp do metrô
Informações: Telefone: (11) 3146-7405
Classificação: recomendado para maiores de 14 anos
Duração: 110 minutos


lundi 13 février 2017

Christiane Jatahy na Comédie-Française

Meu artiguete (são apenas 5.500 caracteres) no jornal O Estado de S. Paulo, sobre o maior gol internacional marcado pelo teatro brasileiro em todos os tempos: o convite de um encenador, no caso Christiane Jatahy, para dirigir um espetáculo na Sala Richelieu com a trupe da Comédie-Française, primeiro e mais importante teatro nacional da França.

samedi 11 février 2017

Eu vi une bête de scène! Merci, Gérard!

   
Absoluto! Necessário! Nutritivo!
Foto: Deolinda Vilhena

Depardieu chante Barbara! Um sonho! A imprensa e a divulgação anunciavam nove concertos excepcionais! A maior atração da temporada! Em horas todos os ingressos vendidos! Detalhe: ingresso a 55 euros* – menos de 200 reais – para ver Gérard Depardieu. Sim, nada mais que a estrela maior do cinema francês, cantando Barbara. Aos 68 anos Depardieu tomou para si, amigo amado e querido de Barbara, a abertura das comemorações dos 20 anos da morte da Dama de Negro da canção francesa.
Poderia lotar o Palais des Congrès ou o Palais des Sports, mas a escolha recaiu sobre uma sala pequena, mais conhecida como o teatro que durante décadas abrigou a companhia de Peter Brook, o Théâtre des Bouffes du Nord. Na plateia apenas 530 pessoas. Todo mundo se sentindo meio escolhido, meio privilegiado. A certeza de ver um espetáculo único. E eu vi. Desde a entrada em cena dos dois Gérard. Aplausos sem fim. Verdadeira ovação. Ele suspirou fundo, sufocado pelo amor que chegava em forma de urros, aplausos, gritos de bravo, e o espetáculo nem tinha começado.
Quando começou eu entrei em órbita, da quarta ou quinta música em diante, Drouot eu chorei, muito, a ponto de ser obrigada a engolir o soluço e o choro. A entrega de Gérard, o som do piano do Daguerre, o fraseado perfeito de cada composição, “o coração e as tripas sobre o piano” como disse Eric Bureau em uma crítica. Vídeos em minha cabeça, vários, da vida da Barbara, da vida do Gérard, da presença dele, enquanto artista, na minha vida. Impossível não lembrar que o que me trouxe até aqui foi a cultura francesa, foi a língua francesa, foram os artistas franceses que fizeram de mim essa paixão ambulante pela França.
Olho aquele palco limpo, como cenário apenas os muros envelhecidos do Bouffes du Nord. Em cena nada além de um piano: o de Barbara. E dois Gérard. O Depardieu, amigo íntimo da cantora a ponto de ter um quarto na casa em que ela morava. E o Daguerre, 17 anos como pianista da cantora. No roteiro quatorze canções de Barbara, tão difícil explica-la para quem não a conhece. Algumas das canções dela são para ouvir longe de uma Gilette, o risco é grande. Kit suicídio perde. Quem me conhece sabe que eu gosto muito da Edith Piaf, pois saibam que Piaf – para mim – é apenas um pardal perto de Barbara. Muito mais identificação com Barbara que com Piaf, infelizmente no Brasil só uns poucos privilegiados tiveram acesso as canções dela. Eu mesma só descobri verdadeiramente Barbara há 20 anos, quando ela morreu.
Em compensação minha paixão por Gérard Depardieu é antiga, e tão intensa mas tão intensa que supera toda e qualquer loucura dele, desde sua conversão ao Islã – desconverteu! – à sua amizade com Poutine. Tudo eu perdoo em nome do ator sem igual que ele é, na minha modesta opinião o maior que vi em cena e no cinema. E eu vi muita gente em cena. A identificação que estabelecemos com um ou outro artista não se explica. Não, eu não fui ver o Gérard Depardieu cantar. Eu queria vê-lo dizer os versos de Barbara, como ninguém mais poderia fazê-lo. E foi o que vi. Ele até canta. Lindo! Mas a intensidade com que ele diz cada uma dessas palavras seja falando, recitando, dizendo ou murmurando é que calou fundo no coração de todos os presentes.
Como se não bastassem as canções, Gérard pinçou aqui e acolá frases de Barbara, que ditas por ele me dava a impressão de que ele escrevera aquilo tudo e nos dizia que era dela. Tamanha a entrega e a verdade, ele estava completamente entregue em cena.
Olhava de longe para Julie, tentando perceber a reação da filha que já tinha visto o ensaio geral na véspera, buscava Roxane e Jean, os filhos mais novos, mas não os vi, desabei quando Gérard começou a cantar A force de, letra de Guillaume Depardieu, morto em 2008, aos 37 anos de idade, musicada por Barbara e que diz assim: “C'est toi/Que j'ai perdu/ Je t'ai perdu…”. Chorei de soluçar. E lembrei que tive a chance de ver Guillaume em cena.
Mas o pior estava por vir: Nantes!

Voilà, tu la connais l´histoire / Il était revenu un soir
Et ce fut son dernier voyage / Et ce fut son dernier rivage
Il voulait avant de mourir / Se réchauffer à mon sourire
Mais il mourut à la nuit même / Sans un adieu, sans un "je t´aime"
Au chemin qui longe la mer / Couché dans le jardin des pierres
Je veux que tranquille il repose / Je l´ai couché dessous les roses
Mon père, mon père
Il pleut sur Nantes/ Et je me souviens
Le ciel de Nantes / Rend mon cœur chagrin

Todas as emoções misturadas, a interpretação doída de Gérard e as lágrimas escorrem...meu consolo é que tem muita gente fungando no teatro. E que Gérard Depardieu precisa respirar e enxugar as lágrimas. Ele disse nesse momento: “L’émotion ça bouscule la bouche”.
Mas ainda falta a minha canção preferida, ou uma das preferidas tantas e tão lindas elas são: Gotingen.

O faites que jamais ne revienne / Le temps du sang et de la haine
Car il y a des gens que j'aime, / A Göttingen, à Göttingen.
Et lorsque sonnerait l'alarme, / S'il fallait reprendre les armes,
Mon coeur verserait une larme / Pour Göttingen, pour Göttingen.

A emoção invade a sala, e entre uma canção e outra os aplausos e os gritos de BRAVO são tão intensos que aumentam a minha emoção, “du jamais vu”, cada música parecia ser a apoteose final. E Gérard é um afetivo, ele é generoso, ele retribui a cada nota o amor que recebe desse público apaixonado diante do seu artista. Ma plus belle histoire d’amour c’est vous...isso estava implícito! Durante uma hora e quarenta e cinco minutos nos todos vivemos uma bela história de amor. A tal ponto que ninguém queria ir embora...
O primeiro bis foi Une petite cantata, 530 pessoas acompanhando Depardieu nos versos:

Mais tu es partie fragile vers l'au-delà
Et je reste, malhabile fa sol do fa
Je te revois souriante assise à ce piano-là
Disant bon je joue, toi chante,
Chante chante-la pour moi
Si mi la ré si mi la ré si sol do fa
Si mi la ré si mi la ré si sol do fa

O segundo bis foi Dis, quando reviendras-tu? , ele pede para que cantemos junto. Ninguém quer ir embora mesmo. Eles voltam para o terceiro bis, um trecho de L’île aux mimosas de Lilly Passion, espetáculo que Barbara fez com Depardieu em 1986. Verdadeiro triunfo com direito a chuva de flores, rosas brancas e mimosas amarelas. Inesquecível. Deslumbrante. Mágico. Colocou o público no bolso desde o primeiro minuto, na verdade ao comprar o ingresso estávamos todos no bolso de Gegê.
Ele fez um agradecimento lindo, e eu copiei o texto do teleprompter**, mas depois vi que era mais ou menos o mesmo do CD: “Merci à vous de m'avoir permis de connaître à 60 ans et des poussières ce bonheur de chanter, merci à vous, merci à elle.”.
E tome aplausos...em dois meses em Paris e mais de 20 espetáculos foi a primeira standing ovation que vi. Delírio total. Na plateia um Charles Aznavour de 92 anos prestigiando o colega e homenageando Barbara. Lindo gesto. Delicadeza total. E quando fui pedir a ele para fazer uma foto e disse que era brasileira, ele não perdeu a deixa e mandou um português de Portugal: és brasileira? A conversa engatou no ato. Como diz o Cacique francês adora uma coisa éxotique.
Lembro-me que quando comprei meus ingressos, um para a estreia, dia 9 e outro para o dia 14 – dia da Saint-Valentin e quis me dar Depardieu chante Barbara de presente – só lamentei não ter 500 euros sobrando. Professora universitária brasileira, fazendo post-doc sem bolsa em Paris, significa dividir o salário por 4 em função das taxas de câmbio e das taxas para a remessa do dinheiro – se eu tivesse essa graninha sobrando iria ver esse show todas as noites, como nos anos 70 vi duas vezes os shows da Liza no Hotel Nacional; como nos anos 80 vi dez shows da Mercedes Sosa no Canecão; como meu filho recentemente viu 12 shows da Madonna em sete países diferentes, lá em casa é assim: a gente gosta de pouca gente, mas quando gosta, gosta mesmo.
Hoje ouvi o disco sem parar. É genial. E leio as críticas que anunciam: Depardieu triunfa com as canções de Barbara. Terça-feira estarei lá, porque como dizia o poeta: o importante é que nossa emoção sobreviva e eu completo: precisamos alimentá-la. Merci, Gérard, et à bientôt.

*Ingresso a 55 euros num país com salário mínimo de cerca de 1.300 euros. Menos de 200 reais, só que no Brasil o salário mínimo é inferior a 900 reais. Comparem com os preços dos shows daí e me digam se não tem algo de podre na República dos Bananas (nós).

** Sim ele tinha dois teleprompter em cena e, em 2004,  quando fez La Bête dans la jungle com a Fanny Ardant, usava ponto eletrônico. Bobagem. A memória vacila e a tecnologia está aí para ajudar. Prefiro Depardieu com teleprompter, ainda assim ele é infinitamente superior a 99% dos atores que já vi em cena. Pior é quando tem memória e não tem talento, aí não há tecnologia que salve.

PS - Vejam as fotos abaixo...tem um monte


 Cartaz do concerto

 Noite de lua cheia
Foto: Deolinda Vilhena

Lotação esgotada para a temporada toda 
Foto: Deolinda Vilhena

Julie Depardieu
Foto: Deolinda Vilhena

O palco do Théâtre des Bouffes du Nord
Foto: Deolinda Vilhena

A vista do palco do meu lugar D2
Foto: Deolinda Vilhena

O prazer de ter o CD um dia antes das lojas
Foto: Deolinda Vilhena

Philippe Katerine e Julie Depardieu na plateia
Foto: Deolinda Vilhena

Os dois Gérard, Depardieu e Daguerre, emocionadíssimos
Foto: Deolinda Vilhena

Chuva de mimosas
Foto: Deolinda Vilhena

Aplausos em profusão ecoavam pela sala
Foto: Deolinda Vilhena

O piano de Barbara, o patuá da noite
Foto: Deolinda Vilhena

 Sem palavras...
Foto: Deolinda Vilhena

A presença de Barbara era quase visível
Foto: Deolinda Vilhena

O público não queria deixar a sala
Foto: Deolinda Vilhena

Julie Depardieu entrevista na porta de entrada dos camarins
Foto: Deolinda Vilhena

 Proibido chegar perto do piano, segurança delicada mas atenta
Foto: Deolinda Vilhena

Que tumulto era esse no palco?
Foto: Deolinda Vilhena

O tumulto tinha nome: Charles Aznavour
Foto: Deolinda Vilhena

Momento de glória, euzinha com Aznavour
Foto: Deolinda Vilhena

Charles Aznavour pode inspecionar o piano de Barbara
Foto: Deolinda Vilhena

Mathieu Amalric estrela do cinema francês na porta do teatro
Foto: Deolinda Vilhena

Uma rosa de Gérard Depardieu
Foto: Deolinda Vilhena

Uma hora depois estamos todos na porta do teatro
Foto: Deolinda Vilhena

 A lua também ficou à espera de Gege ou Dede