Docteur sob os olhares de Edla, Catita e Joëlle
Banu, Wallon, Abirached, Ryngaert, euzinha e Sábato Magaldi
O dia de amanhã será um dia muito
especial para mim. Há exatos dez anos, no dia 25 de janeiro de 2007 eu
completava a etapa final da maior reviravolta da minha vida profisisonal – até então.
Uma reviravolta que começou com minha saída do Rio de Janeiro após 21 anos ali
instalada. Foi no Rio que fiz minha graduação, foi no Rio que me construí
profissionalmente. E quando havia chegado ao topo, fui ao fundo do poço para
descobrir o quanto estava infeliz e o quanto não queria chegar aos 50 passando
o chapéu de porta em porta para poder produzir teatro no Brasil. Mesmo sendo,
como era na época, produtora de Bibi Ferreira, apenas a maior atriz do Brasil.
Quis o destino – ou eu assim o
programei – que estivesse em Paris para comemorar essa conquista, a maior de
minha vida profissional porque construída de ponta a ponta por mim, obtida por
méritos próprios e sem conchavos que é só olhar os nomes dos professores que
compuseram a minha banca de Doutorado para ver que ali ninguém brinca em
serviço. O meu título eu não comprei, nem ganhei. Eu conquistei. Escrevendo em
francês uma tese de 847 páginas em dois volumes, pesando 4,5kg. Nos dias de
hoje, em que a meritocracia perde espaço para conchavos e cotas, isso é digno
de registro. E de orgulho. Estufo o peito e encho a boca quando digo: sou
Doutora pela Sorbonne. Uma universidade que data de 1257 quando o Brasil data
de 1500. E meu diploma foi reconhecido e validado pela Universidade de São Paulo, que não é pouca coisa também não, a mais importante universidade do Brasil.
Salle Bourjac en Sorbonne le júry au grand complet
O que nunca ninguém se interessa
em saber é o preço que paguei para ser Doutora em Estudos Teatrais pela
Sorbonne! Coisas como deixar para trás 17 anos de trabalho com Bibi Ferreira, como
a necessidade de aprender francês aos 37 anos, deixar meu filho e toda a minha
família no Brasil por cinco anos e meio. Fazer escolhas que não permitiram ir a
formatura do meu único filho quando ele recebeu seu diploma de Bacharel em
Direito pelo Mackenzie e nem ao enterro de minha mãe. Além disso, precisei
aprender a viver com 1.100 euros por mês numa cidade como Paris e mais, aprendi
a cozinhar, a lavar e a passar, eu que cheguei aqui sem saber fazer arroz...e
quando acabou o período de bolsa da CAPES passei onze meses sendo babá de uma
pequena Héloïse, eu que sai do Brasil produtora de Bibi Ferreira, Mestre em
Artes pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e já de
posse de um Mestrado em Artes do Espetáculo pela Sorbonne Nouvelle fui ser babá
para completar meus estudos doutorais. E a burguesa sou eu.
Marie-Aude em primeiro plano, não me conformo com a partida dela
Mas estar na “Salle Bourjac en Sorbonne”
no dia 25 de janeiro de 2007 às 14h valeu cada minuto vivido para conseguir
chegar ali, sozinha. Minha companheira estava comigo, como tem estado nesses
quase 20 anos. Mas não tinha minha mãe que não viveu para ver essa aventura;
nem meu pai, que temeu o frio parisiense em Cacique Timbé que é e fez forfait;
nem meu filho; nem meus irmãos. Os amigos em compensação lotaram a Salle
Bourjac, colegas de mestrado, de doutorado, ex-professores, amigos novos e
antigos. Três presenças marcantes: Edla Van Steen, esposa de Sábato Magaldi
membro da banca mas minha muito querida amiga; Joëlle Mnouchkine, irmã caçula
de Ariane Mnouchkine que me honrou com sua presença e Naruna Andrade un rayon mensageiro
do Théâtre du Soleil que nesse dia, uma quinta-feira estava em cena com Les
Éphèmères.
Irène, Joëlle e eu
Joëlle Mnouchkine, Irène e eu corujando a obra
Sábato, Edla, Ana e Luiz Henrique, os brasileiros marcam presença
Lembro-me que na véspera da
defesa, no dia 24 de janeiro de 2007, passei o dia em casa fazendo brigadeiros,
beijinhos de côco e brigadeiro de queijo parmesão, para o “pot de thèse”, que
seria no salão do Central Hôtel de Saint Germain, a dois passos da Grande
Sorbonne. Uma maneira de manter a calma. Os salgadinhos havíamos encomendados
na Grande Épicerie de Paris, compramos uns sanduíches no Picard, os pães de
queijo – quentinhos e deliciosos – foram obra de Françoise Recco e o champagne –
em boa produtora – foi comprado garrafa por garrafa ao longo de 18 meses. E
ainda comprei duas Magnum daquelas de Fórmula 1 que queria abrir no Théâtre du
Soleil. Antes de tudo, eu sou produtora. Detalhe: desde setembro de 2005 eu não
tinha mais bolsa. Lembram que eu disse uns parágrafos acima que era babá?
O júri reunido e nos esperamos da Cour d'Honneur
No salão do Central o meu pot de thèse
Catita, Virgínia, Françoise e Martine
Luíz Henrique e Cristina que surpresa boa
Naruna, Joëlle, Béatrice ao fundo e eu
Anaïs e Marie-Aude, saudades
Euzinha, Ana, Cristina e Luiz Henrique
O carinho de Joëlle e ao fundo os beijinhos
Lendo o cartão que me ofereceram meus colegas de turma
Discutindo com Emmanuel Wallon
Com Martine que fez a revisão final do francês
Jean-Pierre Rynagert e Joëlle Mnouchkine
Anaïs Bonnier, eu e Marie-Aude Hemmerlé as thésardes de JPR
Pois é, passei parte do dia de hoje
fazendo brigadeiros, porque decidi que passarei o dia 25 de janeiro de 2017 no
Théâtre du Soleil, como em 2007 quero estar lá com eles, ainda que muitos dos
que estavam conosco há dez anos tenham partido. Eu preciso estar lá amanhã. É
com eles que eu quero festejar. Foi por amor a eles antes de tudo que eu
consegui chegar ao final da minha tese, minha tese é uma declaração de amor ao
teatro, mas antes de tudo ao Théâtre du Soleil ou ao teatro que Mnouchkine faz
no Théâtre du Soleil. Vou chegar na hora do goûter com meus brigadeiros e com o
afeto acumulado nesses 17 anos de convivência com eles que me abriram as portas
um dia. E quando eu cheguei eles não sabiam nada de mim, apenas Juliana
Carneiro da Cunha – um anjo que recebe os brasileiros que batem nas portas da
Cartoucherie – sabia, pois lera meu currículo, que eu tinha uma trajetória
digna de pedir o abrigo moral que estava pedindo: permissão para consultar os arquivos
do Thèâtre du Soleil que naquele tempo estava todo lá na Cartouche...hoje está
na Bibliothèque Nationale de France. Eu não tinha nada a oferecer. Eu não vinha
enviada por nenhuma grande empresa, nem era funcionária de ministério algum,
não tinha crachá ou credencial, apenas a vontade de pesquisar o modelo de
produção do Théâtre du Soleil.
Emoção total. minha Diva passa os olhos na tese e gosta
Marie-Héléne, Sylvie, Lili, Elaine descobrindo a tese
Fanta, Elaine, Lili, Jeremy, Francis, a tese e os pães de queijo
Lili, Jerem, Francis e a tese
Euzinha, Jean-Jacques e Sylvie entre champagne e brigadeiros
Sylvie e Marie-Hélène bem compenetradas na tese
Euzinha e Shasha, amanhã vou repetir essa foto
Jean-Jacques e Ariane entre vinho e champagne
Ao longo desses dez anos a vida
me deu muitas coisas. Vejamos:
– Duas idas do Théâtre du Soleil
ao Brasil, em 2007 – meses após a minha defesa – com Les Éphémères, um gol de placa
do Luciano Alabarse e da Graciela Casabé, unindo o Porto Alegre Em Cena e o
Festival Internacional de Teatro e Dança de Buenos Aires na concretização desse
sonho, com o SESC São Paulo entrando em campo aos 45” do segundo tempo. Em 2011
com Les Naufragés du Fol Espoir, dessa vez com o SESC São Paulo à frente, mas
também o Festival Santiago a Mil e Carmen Romero e Maria Júlia Pinheiro que
encarou o desafio de levar o Soleil ao Rio de Janeiro;
– Um Pós-Doutorado com um projeto
lindo intitulado Produção teatral: da prática a teoria, a sistematização de uma
disciplina, sob a supervisão de Sílvia Fernandes no Departamento de Artes
Cênicas da Escola de Comunicações e Artes da USP e com três meses de estágio
pós-doutoral na Université de Paris Ouest Nanterre La Défense com o auxílio
luxuoso de Emmanuel Wallon; isso tudo com uma BOLSA da FAPESP – Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo;
– Um cargo de Professor Adjunto
da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia, onde entrei CONCURSADA
com posse em 29 de junho de 2011;
– Uma vaga de Professora
Permanente do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade
Federal da Bahia onde realizei dois grandes eventos internacionais: No Reino
dos Festivais, em outubro de 2011 e o 1º Seminário Internacional de Formação e
Capacitação em Cultura em maio de 2012. Onde orientei sete alunos de Mestrado
dos quais seis já são MESTRES e estão no mercado de trabalho na área de
produção;
– Uma viagem a Cluj Napoca,
capital da Transilvânia na Romênia, como representante do Brasil nas
comemorações dos 70 anos do Professor Emérito da Sorbonne Georges Banu, onde fiz
uma palestra sobre o Modelo de Produção do Teatro Brasileiro na aurora do
século XXI com ênfase no teatro bahiano;
–
Um Colóquio Internacional em Paris em parceria com Paris Ouest Nanterre
La Défense e a universidade de Waseda no Japão, no Théâtre des Abesses, leia-se
Théâtre de la Ville, sob a batuta de Emmanuel Wallon que foi meu professor no
mestrado, membro e presidente do meu júri de mestrado e membro e relator do meu
júri de doutorado, presente há 16 anos na minha trajetória acadêmica, luxo
total por ser um dos maiores nomes na área de atuação em que transito;
– Uma Coordenação de Colegiado de
Curso com a XXVIII edição do Curso Livre de Teatro da UFBA, parceria com Marcio
Meirelles meu encenador e meu irmão nas terras do Bonfim, que me deu muita dor
de cabeça mas rendeu um Troilus e
Créssida lindo apesar de todos os pesares;
– Uma Chefia do Departamento de
Técnicas do Espetáculo que assumi com garra, disposição e muita vontade de
acertar porque fortalecer o departamento é fortalecer os professores, alma de
toda e qualquer escola;
– Um Estágio Sênior – ou um
segundo pós-doutorado metido a besta – a ser vivido de 1 de janeiro a 31 de
dezembro desse 2017, mais uma vez escolhi Paris, dessa vez não a Sorbonne mas
Nanterre, com a supervisão de Emmanuel Wallon para desenvolver um projeto
intitulado A extensão universitária como meio de formação e qualificação dos
técnicos em espetáculos teatrais. Mais uma vez deixo clara a minha maior
preocupação: o destino desses jovens desempregados que despejamos anualmente
num mercado de trabalho incapaz de abrigá-los.
Assim se passaram dez anos. Nada
foi fácil. Muita puxada de tapete. Muita falsidade. Muita traição. Muita
torcida contra. Muita rádio corredor. Muita contrapropaganda. Mas cá estou.
Linda, loura, japonesa, alta, despachada e em Paris. E sem bolsa. Porque ela
não é louca. Ou esqueceram que ela é produtora?
No dia 11 de abril de 2016 –
confiram o calendário de 2016 no Brasil – comprei uma passagem Salvador x Paris
x Salvador, parcelada em quatro vezes no cartão. No dia 5 de julho de 2016, com
o adiantamento do 13º salário paguei 12 meses de seguro saúde em Paris, com o
restante do 13º banquei mudança e o escambau para um guarda-móveis em Salvador,
e no dia 5 de dezembro de 2016 entrei no avião da Gol para o Rio de Janeiro
para quatro horas e meia depois embarcar num vôo da Air France com destino a Paris.
Isso tudo com o meu rico dinheirinho e o aval da Pró-Reitoria de Pós-Graduação
da Universidade Federal da Bahia, no âmbito do PROQUAD – Programa de
Qualificação dos Docentes consentiu minha vinda publicada no Diário Oficial da
União em 11 de outubro de 2016.
O que poderia coroar minha
temporada aqui seria a conquista de uma bolsa de Estágio Sênior da CAPES,
merecida com certeza em função da qualidade do projeto apresentado, um projeto
pautado em formação e qualificação, baseado na possível sustentabilidade dos
egressos da Escola de Teatro. Mas quem se preocupa com isso? Só eu. Recebi há
exatamente uma semana uma mensagem informando: Indeferimento por alta demanda.
Que bom que tem gente mais preocupada com o futuro da garotada que eu. E que
bom que Papai do Céu me deu inteligência e juízo para não contar com o ovo no ...
da galinha!
Uma única coisa eu ainda não
consegui: publicar a minha tese no Brasil. Escrita em francês ela exige uma
tradução, que as editoras interessadas se recusam a pagar, e eu me recuso a
traduzir. Uma hora dessas faço um crowndfunding para bancar essa tradução e ela
sairá. De qualquer maneira uma coisa ninguém me tira, a minha tese foi, é e
sempre será a primeira tese de uma brasileira, escrita e defendida na Sorbonne
sobre o modelo de produção do Théâtre du Soleil.
Dois volumes, frente e verso...4,5kg e 847 páginas
O Cacique conheceu a Sorbonne no verão de 2005
Não posso deixar de agradecer ao
Cacique Timbé pelo apoio, afinal ele bancou todos os meus estudos em colégios
particulares para que eu tivesse o capital que me permitisse chegar onde
cheguei; a minha irmã Patrícia e ao meu cunhado Cássio que bancaram o filhote
para a mãe poder viver com 1.100 euros por mês na França; ao meu filho Pedro
que entendeu desde cedo que sua mãe não era uma qualquer e teve que aprender a
viver com esse héritage e a minha santíssima trindade: minha mãe, que não viveu
para ver o final desse aventura que a cobriria de orgulho; minha companheira que
é meu raio de sol particular e Ariane Mnouchkine feiticeira dos meus mais belos
sonhos de teatro que me abriu as portas do Soleil, pois como bem disse meu
diretor de tese Jean-Pierre Ryngaert – um super merci JPR – é mais fácil entrar
numa universidade na França do que no Théâtre du Soleil.