mercredi 26 décembre 2007

Abaixo a incompetência ! Viva a eficência ! Vive la France !



Preciso contar a vocês o que me aconteceu. Embora tenha morado na França como estudante e bolsista do governo brasileiro, portanto sem obrigação de declarar meus rendimentos, pois existe um acordo França x Brasil que prevê que os estudantes bolsistas de ambos os países são dispensados de pagar imposto de renda (sur le revenu como dizemos por aqui !), desde que cheguei, tentando ser realmente uma moradora – em Roma como os romanos é o meu lema ! – decidi que declararia anualmente meu imposto de renda e o fazia aqui e no Brasil, onde os bolsistas fazem a declaração de isento. Ao receber pelo correio minha declaração me sentia mais cidadã francesa ainda que sem gozar da cidadania oficial.
Durante os quatro anos em que fui bolsista não trabalhei. Mas ao final da bolsa, obviamente, procurei um emprego legal, e como estudante tinha direito a ser trabalhadora declarada por no máximo 20 horas de trabalho por semana. Foi o que fiz. Trabalhei 10 meses. O suficiente para entender que doutorado e redação de uma tese – se fôr em língua estrangeira a coisa complica ! – são incompatíveis com qualquer atividade profissional, palmas para os que conseguem concluir um doutorado trabalhando. Ao encerrar meu contrato de CDD – contrato com duração determinada – recebi todos os meus direitos e mesmo um plus pelo fato de que a partir dali estaria desempregada, mesmo isso sendo uma opção minha pois poderia ter renovado o contrato. Os valores recebidos me isentavam de pagar imposto de renda.
Voltei ao Brasil, e em março/abril recebi minha declaração de imposto de renda relativa ao ano de 2006 para fazer. Fiz. Comuniquei que estava de volta ao Brasil e achei que seria um capítulo encerrado. Bobagem…em agosto de 2007 recebo um cheque de 333 euros, cerca de 870 reais, do Tesouro Público. Por quê ? «Une prime pour l’emploi». Em português isso é um incentivo recebido a título de ajuda pela volta ao trabalho ou a continuação de uma atividade profissional, calculado sobre os rendimentos da atividade exercida. É atribuída em Setembro de 2007 às pessoas que exerceram em 2006 uma atividade profissional assalariada ou não assalariada, domiciliadas na França e cujo rendimentos não excedam certos limites.
Fiquei surpresa e contente com o cheque…quem é que não gosta de receber um dinheirinho a mais e acima de tudo quando nem passava pela cabeça da gente recebê-lo ???
Com o meu cheque no bolso descobri que não poderia recebê-lo pois não tenho mais conta bancária na França. Telefono para a agência do Trésor public que emitiu o cheque e sou informada que posso recebê-lo em qualquer tesouraria do Trésor public. Procuro a que fica mais perto aqui de casa e vou até a praça da Nation. Nem tudo é simples na dministração pública, francesa, portuguesa ou brasileira, a burocracia impera…mas educação e simpatia amenizam a chatice.
Um funcionário eficiente e simpático tenta me ajudar mas sua chefe o impede de ser gentil e proíbe o pagamento. Só pode ser feito através de conta bancária, desnecessário explicar a essa Madame que não a possuo mais, que não moro mais na França há dez meses, que para ter conta bancária aqui é preciso morar no país, etc…mas o gentil rapaz me dá a dica, com direito a cópia de um mapinha de como chegar a rue Rambuteau, que eu conheço bem mas ele não sabia disso, e me informa que lá eles me pagariam na hora. Agradeço a gentileza, digo adeus e vou me embora…
Chego ao Trésor public, da rua Rambuteau, duas sorridentes atendentes no guichet de informação me encaminham imediatamente para uma outra moça, não há filas, tudo calmo e tranquilo, a moça pede uma «pièce d’identité» apresento meu passaporte e ela ri ao ler meu nome, e me diz sorridente, «mon deuxième prénom est Deolinda», descobrimos nossas origens portuguesas, nome herdado de avó paterna nos dois casos…ela prepara os papéis enquanto conversamos e me envia ao caixa não sem antes de me dizer «obrigada» mesmo confessando que é a única palavra que conhece do português, «meu pai achou que poderia misturar as duas línguas e nunca me ensinou o português, hélas !». Vou ao caixa, recebo meu dinheirinho, e saio feliz…não ganhei na loto mas dá um prazer danado ver a eficiência desse país, não a França não é a oitava maravilha do mundo, vivi coisas aqui como estrangeira lamentáveis, mas vale lembrar que nos postos onde tiramos os papéis como a Carte de séjour, somos atendidos por «estrangeiros», tão «estrangeiros» quanto nós, ainda que nascidos aqui, mas na maioria oriundos das antigas colônias francesas, portanto eternamente estrangeiros, para mim que nasceu na Argélia argelino é, por mais que quando do seu nascimento a Argélia pertencesse à França,porque ela pode até ter sido propriedade da França mas NUNCA foi França e muito menos francesa…assim como o Brasil nunca foi português e muito menos Portugal...foi propriedade de Portugal e ai mora a diferença que talvez explique toda essa lenga-lenga entre colonizados e colonizadores…
Saio imaginando como seria no Brasil. Quando daremos uma "prime pour l'emploi" aos nossos trabalhadores? Quando daremos aos nossos trabalhadores estrangeiros o mesmo direito? Mas fico imaginando mesmo é qualquer ministério do Brasil mandar um cheque para um estrangeiro que ja tenha retornado ao seu pais...acho que para ver isso vou precisar nascer de novo e confesso que se puder nascer de novo não sera no Brasil, mas na França e em Paris...se alguém souber de algum pagamento do Brasil a um ex-morador estrangeiro, por favor, conte-me a historia...
Na foto o ministério do Budget, des Comptes publics et de la Fonction publique, ministério responsável pelo orçamento e pelas contas do Estado bem como pela modernização dos serviços públicos, criado em 18 de maio de 2007 a partir do antigo ministério de Economia, finanças e indústria, mais conhecido como Bercy, numa alusão ao bairro onde está instalada sua sede, esse prédio imenso às margens do Sena que fica a dois passos da minha casa.

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